20 de março de 2011

Um companheiro d' "O Idiota"

Alargando o tema do Tempo, dando-lhe mais uma perspectiva:

"Lembrava-se que olhava com muita fixidez para esse telhado e para os raios que lançava. Nao podia desviar os olhos dos raios, parecia-lhe que esses raios eram de uma nova natureza, que dentro de três minutos se fundiria de alguma maneira com eles... O desconhecido e a repugnância pelo novo que ali vinha começavam a ser terríveis; mas ele disse-me que nada era mais grave naquele momento que o pensamento constante:  "Se fosse possível nao morrer! Se fosse possível fazer voltar a vida - que infinito! E tudo isso seria meu! Entao, tornaria cada minuto numa eternidade, nao perderia nada, contaria cada momento, nao gastaria nada inutilmente!" Disse que esse pensamento se lhe transformou numa raiva tal que só queria que o matassem o mais depressa possível.
O príncipe calou-se de repente. Todas ficaram à espera que ele continuasse e avançasse para uma conclusao.
- Já acabou? - Perguntou Aglaia.
- O quê? Sim, acabei. - disse o príncipe saindo da sua meditaçao.
- Mas porque contou tudo isso?
- Por nada... lembrei-me... levado o fio da conversa...
- É muito incoerente - observou Aleksandra -, o príncipe, pelos vistos, quis deduzir que nao se pode avaliar nenhum momento da vida a copeques, e cinco minutos, às vezes, valem mais que um tesouro. Tudo isso é louvável, mas, desculpe, quem é esse seu companheiro que lhe contou esses horrores?... E se lhe mudaram a pena, ofereceram-lhe por conseguinte essa "vida infinita". O que fez ele entao com essa riqueza? Viveu ou nao "contando cada minuto"?
- Oh, nao, ele próprio mo disse, porque eu fiz-lhe essa mesma pergunta... que nao, que de modo nenhum viveu desse modo e que perdeu muitos, muito minutos.
- Pronto, aqui está a experiência de que é impossível viver "contando cada minuto". Por qualquer razao, é sempre impossível.
-Sim, por qualquer razao, é impossível - repetiu o príncipe -, a mim também parece que é impossível... Mesmo assim, nao consigo acreditar.
- Ou seja, pensa que vai viver de modo mais inteligente que os outros? - perguntou Aglaia.
- Sim, isso às vezes também me passava pela cabeça.
- E continua a passar?
- Continua - respondeu o príncipe olhando Aglaia com o mesmo sorriso manso e até tímido; mas logo voltou a rir-se e olhou para ela alegremente.
- Que modéstia! - disse Aglaia quase irritada."

Em O Idiota de Dostoiévski

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