16 de março de 2011

Há dias assim

Sabem o que é trabalhar-se numa prótese durante 1 mês e meio e chega finalmente o dia da entregar ao paciente e este a destroçar num minuto inteiro de reclamaçoes?

É horrível!

A cor está clara, as unhas têm pouca cor, o pulso está fino, a mao está gorda, aqui está demasiado redondo, os dedos estao demasiado separados, demasiado longos, as unhas deviam estar mais para cima, o limite nao está como eu quero, nao gosto dos sinais, a prótese parece morta...

Completando que as reclamaçoes vinham do marido da paciente e nao da própria paciente, nao ajuda!

Podiamos até concordar, depois de ver o produto final e voltar a ver a paciente 1 mês e meio depois, que alguns detalhes podem ser melhorados, é normal alias... estas próteses sao também esculturas e nunca poderao ficar e-x-a-c-t-a-m-e-n-t-e iguais! Mas bastante parecidas sim!

De todos os modos nao foram estas críticas que mais me afligiram. Muitas podem ser corrigidas (apesar de achar que muitas nao têm sentido de ser).

O que me afligiu foi que a paciente em si, a esposa nao estava assim insatisfeita com a prótese, mas porque o marido estava passou a estar também! Pior... a dada altura o marido diz: "Que desilusao, nao gosto dessa prótese!" e neste momento começa a mulher a chorar... e diz "Eu nao posso fazer nada, dependo dele para tudo. Se a prótese está morta eu morro com ela!"

E neste momento cai-me tudo no chao!
...
Volto a perceber a importância do meu trabalho, a responsabilidade que impoe e as expectativas que gera.

Na minha opiniao o trabalhado estava muito bem feito e sim, sem dramas, podia mesmo assim ser melhorado, uns toques finais com a paciente ali... o dramático desta situaçao foi presenciar a dependência desmedida da mulher para com o marido e a forma como este - inconsciente acredito - destruía a sua auto-estima! A mulher projectava-se claramente na prótese e sente ainda demasiado, e de forma exagerada, a sua perda, a sua incapacidade.

Enfim:
Discurso assertivo... e procurar ser concreto... "está tudo mal?... ... Diga-me por favor o que acha que pode ser melhorado, para que possamos melhorar?", "Preciso de uma fita métrica para confirmar medidas!", "Vamos comparar bem as cores", "Concordo consigo, vamos melhorar isto!", "Vê, afinal consegue fazer isto também, muito bem!", e por aí em diante ora falando com um ora com outro...
Separar o marido da mulher procurar entender o que desejava realmente a mulher, ouvi-la, ouvir também o marido, já que depois vai influenciar, acalmar os nervos, diminuir as expectativas, trazer à realidade... existe uma incapacidade sim, mas nao é o fim da vida e a verdade é com treino e experiência mal a vai sentir... ...

Assim se passou uma manha que destroçou o resto do dia... ... Há dias assim!

2 comentários:

  1. Isto faz me lembrar as vendas ... e a nossa obrigação profissional de saber ler nas entrelinhas. Muitas das vezes o que está a ser dito não está a ser sentido e existem outros factores externos que influenciam muito. Mais uma oportunidade de aprender e de colocar todos os nossos recursos na concretização da expectativa de alguém em pleno vapor. BOA SORTE MELHORES DIAS VIRÃO DE CERTEZINHA,

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  2. Nem te conto... talvez o pior dia de trabalho até entao. Neste momento estamos a fazer a prótese com a paciente lá! Ou seja... ela vem e nós trabalhamo-la... com aquele trabalho já nao há margem... mas é assim... foi um desafio que aceitamos até porque uma prótese daquela ninguem no mundo mesmo a faz, nem as outras Silicone House pelo mundo fora. Challenge accepted... vamos ver!

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