18 de março de 2011

Nora

Há pessoas que só por existirem já mereciam uma estátua.

Já escrevi aqui antes sobre a Nora quando falei das Filipinas e de Fernao de Magalhaes.
Nora é a senhora que passa o dia a limpar os corredores, as escadas e as salas da Otto Bock. Como Filipina que é tem um ar asiático; de olhos rasgados, estatura baixa e semblante humilde, tem uma tez morena e cabelo negro como carvao que até há pouco lhe caia sobre os ombros mas que agora lhe assenta curto na calote e apenas de passagem toca o atlas.
A esta senhora, que mais parece uma menina, tanto em fisionomia como em pose - senao tentem dizer-lhe "Fica-te bem esse corte de cabelo Nora!" e é vê-la diminuir ainda mais de tamanho, rir-se embaraçada e encolher-se envergonhada, erubescer e ficar calada -, a esta senhora, repito, faleceu-lhe o marido há cerca de 6 meses.

Ha uns dias atrás, estava eu e a minha colega Manuela, na Silicone House e entra ela, com um ar muito envergonhado e diz hesitante: "Bem... queria... ... hum... é que... - e neste momento estamos os dois muito expectantes - é que queria... hum... queria convida-los para um almoço!" Ficamos um bocado boquiabertos! Nem a disposiçao económica ou a íntima fazia prever tal convite, mas nem por sombras, nao a Nora, um doce de pessoa, se nos ocorreu contestar. Percebi mais tarde que era tradiçao... nas Filipinas, 40 dias - neste caso ela sentiu-se preparada para tal mais tarde - depois da morte de um ente querido é normal fazer-se uma festa de despedida, porque nestes 40 dias se considera que o espírito do falecido ainda está na Terra, depois disso deixa completamente este mundo.

Pouco se falou deste almoço depois do convite, sendo que pouco é exactamente: "Bem... é um convite, mas claro que a Nora nao nos vai pagar o almoço nao é!", e foi isto.

Pois o almoço foi hoje.
Era um bom restaurante, italiano, e comi - como se como sempre nos restaurantes espanhois - um primero e um segundo prato, mais o postre e o café, menu diário digamos. Mas na verdade só me apercebi da dimensao do almoço ontem, quando recebi um e-mail da recepçao da Otto Bock - que costuma encarregar-se destas coisas - com a lista de convidados e perguntando se alguém dos confirmados nao ia esta presente... ... a lista era enorme!!!... Estava praticamente toda a Otto Bock Ibérica incluída, salvo algumas faltas por motivos maiores.
Esta senhora das limpezas, convidando pouco a pouco, um a um e com tempo, juntou toda uma empresa para almoçar... tarefa que outros outras vezes tentaram, com grupos menores, e nunca conseguiram...

Almoçamos, brindamos, houve discursos, mais brindes, memórias, fotos, conversas, de tudo o que um almoço de convívio tem. E no fim, apesar da insistência da Presidente a Otto Bock Ibérica, repito, da Presidente da Otto Bock Ibérica, esta senhora de pouco mais de 70 anos, que pouco mais de metro e meio deve medir, que limpa todos os dias o chao da Otto Bock, de tez morena e trejeitos humildes disse: "Nao obrigado, mas insisto que seja eu a pagar!", e pagou a conta.

E se isto nao é de uma grandeza e de um exemplo de dignidade extrema, eu nao sei o que será.

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