15 de julho de 2011

Histórias no AVE - Los dientes de Raquel

AVE é o acrónimo para Alta Velocidad Española.


É o transporte que mais uso aqui em Espanha, para o trabalho vou a pé - bem, agora agora de bicicleta - e quando tenho de viajar (em trabalho) é o meio que prefiro.

Como comboios novos e de alta velocidade sao naturalmente bastante confortáveis, com um design exterior aerodinâmico e com o interior desenhado com traços e funçoes executivas.

Como as viagens que faço normalmente demoram mais de 2h, vejo sempre o filme que passam e recebo os auriculares que nos oferecem. Vou distribuindo por quem me pede, por estas viagens tenho sempre montes de auriculares espalhados pelo trólei que levo sempre.

Enquanto o filme nao começa, ou depois de haver terminado, oiço música. Ligo os auriculares ao rádio do banco e escolho uma das 8 estaçoes pré-definidas.

Também aqui se nota que a escolha das estaçoes de rádio nao foram feitas ao acaso, senao seleccionadas para uns ouvintes muito específicos.
Em quase todas se ouve música clássica, jazz, blues, bossa nova (a música "Portuguesa" que mais se ouve aqui em Espanha) e outros estilos neste registo.
Adianto que poucas coisas me relaxam mais, que me deixam com aquela sensaçao de conforto sereno, satisfeito e agradável, que estar sentado no AVE a olhar o nascer ou o pôr do Sol com aquela paisagem que podia tao bem ser Alentejana, ou Minhota, ou outra, dependendo para onde viaje, e deixar o pensamento fluir para o vazio. É um momento de verdadeiro desprendimento.

Nestas rádios, muitas vezes, também se contam contos. Pequenas histórias de escritores apreciados pela crítica que nos entretêm ou nos fazem reflectir, os dois normalmente.

Um dia destes, estava a ouvir uma música, clássica se me recordo, e no fim, a locutora, começou a falar de um escritor Venezuelano, um tal Gabriel Giménez cujos contos surrealistas seriam muito interessantes.
A forma cíclica e interminável como escrevia estes contos caracteriza-o e destacava-o. Comentava ainda que um dos seus contos mais conhecidos é O homem dos pés perdidos e Os dentes de Raquel.


Fiquei curioso e deixei-me a ouvir o segundo conto, que foi o que leu:

Raquel mordió una manzana, y todos sus dientes quedaron en ella. Fue a su casa con la boca sangrando a avisarle a su mamá. La mamá vino corriendo asustada a buscar los dientes de Raquel, y cuando llegó, los dientes se habían comido la manzana.
La mamá quiso recogerlos, pero los dientes se levantaron y se comieron a Raquel y al mamá.
Después, los dientes volvieron a la boca de Raquel, quien muy hambrienta corrió a pedirle a su mamá 

que le comprara una manzana.


Fiquei sem reacçao... ou antes, fiquei "quê?"!
Uma vez com uma amiga inventámos a palavra "cosmaut" e inventámo-la por momentos como este!
A minha avaliaçao pessoal de um conto como este é a mesma que fiz quando acabei de ler A Metamorfose: demasiado parvo para ser genial.
O problema desta afirmaçao, e dizia-a consciente disto, é que a linha entre a genialidade e a estupidez, muitas vezes, nao é fácil de definir.
Ocorreu no entanto que, depois de perceber o contexto em que Kafka escreveu A Metamorfose e de entender a palavra kafkiano, percebi muito melhor o "texto" por detrás do texto e deixei de achar que era parvo.
Pois passou-se mais ou menos o mesmo com este.
Bem... continuo a nao achar grande interesse neste conto em particular, acho mais graça ao do Homem dos pés perdidos - que li depois - e mais ainda a outros como Deus, A Brevidade, O Idiota e Arquivo dos esquecimentos. 
Achei o momento muito curioso e pensei que tinha do partilhar... no momento seguinte em que voltou a ouvir-se algum clássico e que pela janela o Sol já mal se via por detrás de sobreiros e montes baixos.

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