15 de fevereiro de 2011

Ética

Ao longo do tempo tenho vindo a repetir vezes sem conta como devia ter prestado mais atençao e isto e àquilo nas aulas, em como devia ter reclamado menos sobre a pertinência ou nao dos temas abordados e aprendido tudo... afinal, eles foram escolhidos por pessoas que, parecendo que nao, sao capazes de saber mais que eu...
Enfim...

Ética...

O dia de ontem foi um dia dificil.

Estive com o meu primeiro paciente com uma orteointegraçao no membro inferior (já tinha estado com um paciente de membro superior, mas o caso era menos complicado).
Um paciente novo, deviamos ter mais ou menos a mesma idade, já está protetizado e agora quer uma funda em silicone para todo o membro, para que as pernas sejam iguais.
Desaconselhamos, porque vai aumentar o peso (da já muito pesada prótese), vai tirar mobilidade e a zona por onde sai o pilao de titâneo nao pode estar coberta. Mas ele quer na mesma e estamos a ver como, fazendo a funda, damos a volta a estes problemas. Que para mim, no final, sao o menor dos problemas... o problema é ele ter feito a osteointegraçao!

1o - ver uma pessoa com uma C-Leg a andar de canadianas nao me parece normal, tendo aquela idade menos ainda, mas ele nao sente a segurança que devia sentir com este método.
2o - a prótese pesa varios kilos e nao é pela C-Leg ou pelo resto, é porque o adaptador que conecta ao tubo de titânio que sai do osso é um bloco de titânio maciço que pesa quase tanto como o resto da prótese.
3o - problemas com infecçoes.
4o - osteoporose.
5o - apesar de ter um sistema de segurança que liberta a prótese em caso de choque, da prótese ficar presa ou outro imprevisto, onde é que acham que isto tudo vai partir? No titânio ou no osso? ... Pois! Nova amputaçao!
6o - nao me convencem e há soluçoes bastante melhores!

Nao vejo vantagens que justifiquem a recomendaçao.

Nesse mesmo dia estive com outro paciente.
Já o seguimos há 2 anos, com um sucesso limitado. Foi amputado pelo nível Chopart, mas porque foi traumático ou por outras razoes que nao sabemos, ficou com o coto em equino e quando apoia o pé é o cuboide que sustenta quase todo o peso, já tentamos varias próteses em silicone com o máximo de alcochoamento que pudemos, mas nao dá, é um osso demasiado pequeno e frágil e demasiado peso em cima dele.
Veio ter connosco, desanimado, para que lhe mostrassemos como eram as próteses trans-tibiais, porque queria ser amputado novamente! Assim foi aconselhado pelos cirurgioes e ele próprio o sugeriu e a isso estava decidido.
A reacçao inicial foi imediatamente tentar dissuadi-lo. "Para cortar hay tiempo" dizia-se! E mostramos-lhe uma serie de outras opçoes, mais antigas, normalmente menos eficazes... mas quem sabe... uma protese normal, laminada, com uma descarga no tendao rotuliano, aliviando o cuboide, por exemplo.
Mostramos varias alternativas, mas ele tem receio de ter de passar mais 2 anos a experimentar e nao resultar.
"Quero esquecer-me do meu pé, quero esquecer-me dos médicos, quero qualidade de vida, nao quero mais nada!" Era o que dizia "Nao quero ir passear como no fim de semana passado e ter de voltar para casa abatido porque nao posso andar" "Nao quero algo que possa funcionar, quero uma soluçao, quero qualidade de vida" "Claro que preferia nao amputar de novo, mas a estetica ja passou há 20 anos, agora so quero a qualidade da vida que nao tenho". Houveram muitos momentos de silêncio, de consternaçao. Ali estava... uma pessoa completamente ciente de si, do que o rodeia, e que queria aquilo que sempre teve, uma vida normal... e por isso quer que o amputem de novo.
Dei por mim a pensar... que direito tenho eu de por mais dúvidas na cabeça dele? Eu sei que a probabilidade continuar a ter problemas com uma prótese de descarga é maior que com uma trans-tibial. Se a amputaçao for programada o coto vai ser bom para protetisar, cónico e longo, e vai ter uma boa marcha seguramente. Por outro lado... será que nao podia esperar mais um ano? Tentar mais 1 ano a adaptaçao há nova protese, antes de amputar... uma nova amputaçao :/ ... é muito violento...
Mas para ele era já demasiado violento continuar a (nao)viver assim. Quem o conheceu ha 2 anos diz que nao é o mesmo, era um tipo alegre, motivado... e agora, assim de repente, caiu-lhe a percepçao de ha 2 anos que nao faz desporto, nao passeia, nao nada e acha que chega, e tem razao!
Falei mais na 1a metade da consulta, estive quase calado na 2a, depois do ouvir e de me fazer estas perguntas.

Nao sei, e ele tambem nao. Foi para casa com muita informaçao, com folhetos de proteses trans-tibiais que pediu e disse que ia pensar.

...

As soluçoes pareciam mais fáceis quando era a brincar...

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