22 de dezembro de 2011

Córdoba

Estou a escrevo-vos da estação central de comboios de Córdoba. Estou há espera do AVE que me vai levar de regresso a Madrid.
É a segunda vez que visito Córdoba, sempre com o mesmo pretexto: ver um paciente.

Como já viajo sozinho, organizo as minhas viagens, e apesar de normalmente isso não mudar nada há rotina de quando vinha supervisionado, existem excepções, como estas.

Depois de terminado o trabalho aproveitei e fui ver o centro histórico desta cidade.

Esta zona está muralhada, como todos os centros antigos, mas castelo não tem, apesar do seu icon central ser tão ou mais impressionante que qualquer castelo.

Ao entrar-se pelas portas da muralha a primeira visão desta cidade Andaluza e quente (se não é redundante dizer-lo) é de um branco limpo, opaco e quase ofuscante, salpicado de pontos azuis céu pendurados nas paredes das casas baixas de onde nascem flores que oferecem ao cenário um cariz ao mesmo tempo pitoresco, primaveril e rústico.

À medida que vamos caminhando pelo chão de seixos justapostos na vertical as ruas curvam em ruelas estreitas com lojas turísticas onde desde o principio se nota a influencia Árabe desta cidade.

Todo este centro pode ser visitado numa caminhada descontraída mas persistente.

Da primeira vez que visitei este centro pude incorrer no seu limite, passando a outra porta da cidade que dá para ponte que atravessa o Guadalquivir e que dá para a pequena e robusta torre agora transformada em museu.

Foi aqui que ouvi pelos headphones parte da História desta cidade e onde soube por exemplo que no auge da sua civilização esta foi a cidade mais povoada do mundo e com a maior universidade desse tempo.

Caminhar sobre esta ponte larga, deixando para trás o frontão de entrada (ou saída) dirigindo-nos há torre é, em si, digno de memória. Aquelas tonalidades de areia que espelham o Sol em matizes castanhos, cremes, amarelos e laranja fazem-nos sentir neste mundo Árabe, onde a música, o cheiro, a dança, a matemática, a filosofia e a astronomia eram notas presentes da cultura.

Ainda na minha primeira visita fui capaz de entrar no segundo círculo de muralhas da cidade, onde está o símbolo da cidade, a sua catedral como escreve no bilhete de entrada, ou mesquita como chamam outros, mais correctamente penso.
Neste pátio, ainda antes de entrar na Mesquita, está um jardim que não pode ser se não um jardim desse tempo.
Laranjeiras carregadas de laranjas vivas que ponteavam o cenário creme e amarelo com nuvens verdes escuras estavam alinhadas simetricamente com uma fonte ao centro. Desta fonte com um pequeno repuxo de água vertical crescia um pequeno e caricato mecanismo de rodas dentadas dentro de uma caixa que rodavam enquanto a água era ascendida, ao rodar as rodas rodavam pequenos sinos que tocavam à vez e uma pequena bandeira rodava alterando o curso do pequeno repuxo na sua fase final. Este pequeno sistema parece mais um brinquedo, uma caixa de musica talvez, que um adorno, mas não deixa de transparecer a importância que a matemática e a engenharia (será que o separavam?) tinham para estas pessoas. Desta fonte ainda partiam em baixo pequenos aquedutos que ligavam a todas as árvores, assim, para se regarem as laranjeiras tinha-se apenas que abrir as comportas da fonte e deixar que a gravidade e a pressão fizessem o resto.

É um espaço tranquilo, não fossem os turistas (como eu!) que por aí pululam seria meditativo, estudioso.

Hoje tive a oportunidade (ou o tempo) de entrar na Mesquita.
Depois de dado o bilhete ao segurança da entrada franqueei a abertura que pouco se parecia a uma porta e a minha atenção ficou imediatamente presa à direita para um significante Cristo crucificado. Aquela imagem destoou-me naquele espaço e após os breves momentos de hesitação e perplexidade girei à esquerda para a entrada propriamente dita e então aí sim, estanquei como esbarrado com uma parede invisível, ou um suspiro cálido.

Aquilo que tinha diante de mim era um espaço amplio e aberto, apesar de apenas medianamente alto, dividido por centenas de colunas estreitas equidistantes que subiam até se unirem às suas vizinhas em arcos redondos (curioso, poderiam ser vistos como romanos, não sei porque não eram cortados) e duplos.

As colunas subiam até aos arcos e prolongavam-se no tecto abobadado em estreitos relevos que se entrançavam como raízes deixando que se vissem nos seus pequenos nós subtis figuras, caras esculpidas ora de perfil ora em corte frontal, ali imortalizadas e ainda assim anónimas.

Rapidamente percebi que o Cristo na cruz anterior não era uma excepção, por toda a parte surgiam cicatrizes daquilo que devia ter sido a cristianização forçada, ou a adaptação de recursos necessária. Por todas as partes se viam quadros ou figuras ora de Cristo, Santos com espadas atravessadas ou Papas antigos, o altar principal estava repleto de ouro e estátuas de santos difíceis de nomear, como é normal em qualquer igreja, aliás, aquele espaço podia ser qualquer igreja, aí não havia traços de outra civilização. Havia até, no canto precisamente, um altar a Santo António de Pádua e ao lado do seu quadro e estátua uma bandeira Portuguesa. Podiam ser vistas pessoas a rezar ao seu deus, outro que não aquele que fez edificar aquela obra, mas pelos vistos não menos poderoso já que o subverteu.


As casas de chá e shisha são frequentes nesta cidade, aproveitei e tomei um chá numa delas: “Mil e uma noites” era o nome do chá, como lembrete dos livros que gostava mas acho que nunca vou ter tempo de ler. O ambiente era agradável, decorado como manda, meia luz, o cheiro a incenso e chá era intenso, estava vazio àquela hora, pelo que puder beber o Mil e uma noites tranquilo encanto pensava:

“Se por alguma razao insondável nós morremos e voltamos a viver, num ciclo em que tantos acreditam mas não justificam, espero ter vivido aqui e nesse tempo.”

Entretanto já estou no AVE, caminho a Madrid... mas voltarei.

 


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