30 de agosto de 2011

Demócrito

Uns temas puxam-me outros e quando escrevi sobre a nanociência deu-me vontade de escrever de seguida sobre Demócrito!

Demócrito nunca ouviu a palavra nanotecnologia seguramente, nem nunca utilizou este termo "nano" para tentar medir o que quer que fosse. Mas se nao o fez, foi realmente porque nao pôde. Pois foi um dos primeiros, e dos muito poucos no seu tempo, a falar e a acreditar na existência de umas partículas elementares, infinitamente pequenas, que compunham tudo o que existia.

Noutro post declarei o meu pouco fascínio, o meu desgosto até, por vários dos considerados grandes filósofos da antiguidade. Bom... nao conheço bem a escala mas penso que Demócrito, nao estando certamente no pódio, é considerado, dias de hoje, um dos maiores pensadores deste tempo.

É pena que dos  seus textos - outros filósofos fazem referência a muitos livros seus - sobrem apenas alguns poucos fragmentos. E acrescentaria aliás, que outros só sao tao enaldecidos porque durante um periodo feliz da História assim foram reconhecidos e os seus textos, porque sao hoje os mais extensos, aqueles que permitem melhor análise, estudo e meditaçao, acabam por ser estes os porta estandart de uma época onde ser mediocre era quase a excessao.

Lembro-me de ter lido um livro de Charles Van Doren (um académico brilhante que cometeu a infelicidade de manchar o seu nome com uma parvoíce) onde ele dizia que se tivessemos mais textos de Demócrito ele seria seguramente o maior filósofo da antiguidade.
Sendo um "se" é difícil afirmar o que seja, mais quanto mais leio sobre Demócrito mais me absorve e mais o considero bastante mais interessante e actual que outros que vieram depois dele.

Demócrito é normalmente definido como um filósofo pré-socrático, apesar de terem sido contemporâneos.
Pertence a um grupo de filósofos chamados "Filosofos Jónios" e sao considerados muitas vezes como os primeiros Físicos das História. Jonia era uma movimentada cidade naquilo que hoje é a margem sudoeste da Turquia. Estes filósofos nao estao confinados no entando a este espaço, senao ligados pelo seu pensamento comum de que a Natureza e os fenómenos Naturais e Humanos podiam ser explicados com leis naturais, raciocínios lógicos (a lógica nao havia sido "inventada" ainda) e com testes e provas ao invés e tentar justificar estes acontecimentos com representaçoes antropomorficas e mitos envolvendo deuses e poderes místicos (note-se que outros os fizeram depois deles: Aristóteles, Platao, Newton e até Einstein). Talvez o três Jónios mais conhecidos sejam Tales de Mileto - intitulado de primeiro filósofo -, Demócrito - o maior impulsionador deste tipo de pensamento (que nao durou muito e teve pouco sucesso nos meios mais cultos do seu tempo, diga-se) - e Pitágoras - um personagem que se nao fosse tao misterioso e obscuro seria quase caricato! vale mesmo a pena ler sobre este filósofo e os seus disciplos, irmandade, pitagóricos.

Foi tao desprezado em Atenas, o centro cultural desse tempo, que se diz (sem grandes certezas) que Platao chegou a ordenar que se destruissem os seus livros, tendo sido dissuadido pelos seus discipulos que lhe mostraram a evidência da impossibilidade de destruir uma obra tao dinfundida. Se virmos bem as coisas, séculos mais tarde e profundamente influênciada por este filósofo, a par com Aristóteles, a Igreja Católica levou a cabo a Cruzadas e destruiu milhares de livros e obras de arte profanas nesse tempo. No final, Platao teve o que quiz... ... mas felizmente nao por muito tempo!

Demócrito era conhecido por rir muito. Diz-se que ria por tudo e por nada e diz-se ainda que dizia que o riso o tornava sábio. Estamos seguros que viveu cerca de 100 anos! Sendo a esperança média de vida naquele tempo próxima da actual é algo que nao assombra mas que espanta!

A concepçao do Universo por Demócrito é absolutamente espantosa. Introduziu nesse tempo conceitos tao abstratos e conceptuais no contexto em que se encontrava que, usando a gíria, eu diria:  encostariam Einstein a um canto. (dada a história e vendo o contributo de cada um, os meios e a veracidade, nao acho de todo que esteja a exagerar, mas é a minha opiniao)

O Atomismo, está claro, é o legado de Demócrito (muito influenciado pelo seu mestre, Leucipo de Mileto, refira-se).
Demócrito (e Leucipo... nao se sabe bem onde acabaram os pensamentos de um e começaram os de outro) acreditava que tudo o que existia era composto por umas partículas eternas, indivisíveis, incompressíveis e invisiveis: Átomos ("indivisivel" no grego antigo).
Engraçado, e há que dizê-lo, que naquilo que Demócrito pôs mais ênfase na caracterizaçao destas particulas elementares - a sua "indivisao" - foi também aquela que se mostrou mais redondamente errada!... ...
Sou capaz de o imaginar... a formular a teoria Atómica... pensado que se se pode partir em bocados cada vez mais pequenos tudo o que existe entao eventualmente chegar-se-á a esta partícula que nao se pode partir mais, a particula que agrega, sustém, toda a matéria... pensou talvez...: tem de existir tal partícula, senao todo o Universo se poderia partir, romper, deformar, colapsar, algo tem de ser inquebrável, algo tem de ser o elementar;... algo assim! Realmente, como podia saber que partindo este Átomo elementar sobrar-lhe-ia uma outra coisa (em quantidades gigantescas) chamada Energia?! Era outro conceito que só muito mais tarde surgiria na sua correcta acepçao.

Mas o mais genial, para mim, nao foi ainda dito.
Demócrito disse que estas particulas se diferenciavam em forma e tamanho, mas nao nas suas qualidades internas - eu nao consigo sequer conceber como chegou ele a esta conclusao, qual foi o seu raciocínio, mas nao podia dize-lo de forma mais correcta. Disse ainda que as propriedades da matéria se definiam pela forma como estes Átomos se agrupavam.
E como se tudo isto nao basta-se, Demócrito afirmou ainda que existe um Espaço Vazio entre os átomos. Um espaço que permitiria sempre definir onde começa um e termina outro e que os Átomos viajam sempre por este espaço colidindo uns cons outros, agrupando-se e separando-se.
Eu nao sei se se pode afirmar isto, mas esta terá sido a primeira vez na História que alguém concebe esta noçao de Espaço Vazio (e a descreve com tanto pormenor), um Espaço sem nada, nem matéria, nem ar, nem nada, Vazio. E este movimento eterno no espaço vazio poderia ter talvez outro nome, Inércia se ele se tivesse atrevido a nomear-lo, e teria deixado Newton com duas leis apenas.

Esta ideia foi completamente reprovada pelos "grandes"!
Aristóteles nao podia conceber, por exemplo, que os Humanos dotados de alma, fossem constituidos por partículas inanimadas... pior... que fossem constituidos por partículas iguais que os animais e as pedras.
Onde Demócrito se enganou também (ou talvez se tenha enganado, porque a traduçao do grego como escreveu o texto é ambígua e ninguém pode saber ao certo qual a interpretaçao que ele queria com aquelas palavras) foi ao afirmar que, sendo tudo Átomos, o Pensamento e a Alma, a existir, tinham de ser Átomos também.
Note-se que a Alma era muito importante nestes tempos para estes pensadores... era o que nos distinguia dos animais, hoje há quem lhe continue a chamar Alma ou entao (os tempos mudam e há que adaptar-se) Consciência. No fundo sao palavras que ninguém sabe o que sao mas que toda a gente diz possuir para se sentir especial em relaçao às outras coisas (como o computador de lá de casa, porque agora já fica mal dizer "como os animais"), é uma necessidade nossa... Tivemos a custo de aceitar que nao eramos o centro do Universo, ha-de demorar um a perceber que nao somos especiais ao ponto de pôr deuses maravilhosos a olhar para nós (a nao ser as mamas e os papás e um ou outro conjuge que nos ature), mas um dia acredito que chegaremos lá.

Haveria ainda duas ou três coisas mais a dizer sobre este Atomismo primordial, mas este post está enorme ja e deixo assim para quem quiser ler mais sobre o tema. Aproveito ainda esta dicotomia entre o material e a consciencia e escrevo um dos fragmentos encontrados que mais gosto de Demócrito, a dicotomia é antes entre o Intelecto e os Sentidos, nao o que escrevi antes, mas lembrou-me.
Espero ter deixado alguma vontade de pesquisar nao só sobre este filósofo mas sobre outros jónios e outros pós-socráticos também, que há muitos e muito interessantes.


Intelecto: Dizem que temos cor, que temos doce, que temos amargo, na verdade temos apenas átomos e vazio.
Sentidos: Pobre Intelecto, esperas derrotar-nos quando é a nós que vens buscar as tuas provas? A tua vitória é a tua derrota.

(Fragmento D125)

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